Alê Bragion
Vazados de sensualidade líquida, umidamente abissais, olhos e olhares compõem um tema frequentemente revisitado pela história da literatura e das artes. Camões já o experienciou, descrevendo sob a forma de soneto os belos olhos de uma “senhora” (vossos olhos, Senhora, que competem com o Sol em beleza e claridade, enchem os meus de tal suavidade que, em lágrimas, de vê-los se derretem). Vinícius, distante de Camões por tantos séculos – mas perto dele no lirismo de exaltação feminina –, não resistiu à tentação de também poetizar os olhos da amada (ó, minha amada que os olhos teus são cais noturnos cheios de adeus). O Bom Marquês, bem antes de Vinícius e bem depois Camões, afirmou certa vez que era capaz de possuir uma mulher apenas olhando para ela. Sófocles, antes de todos, preferiu fazer com que sua melhor criação dramática, Édipo, furasse a própria vista com espetos em brasa, apenas por ter feito dos olhos um instrumento de prazer e vaidade – cego de conhecimento.
Na história do romance brasileiro, Bentinho talvez seja até hoje a personagem mais atormentada pela atração exercida pelos olhos de uma mulher. Perdido em seu amor de menino, hesitando entre o medo juvenil e o desejo masculino, ele mal conseguia divisar o olhar marítimo de Capitu – amor cigano de olhos oblíquos e dissimulados. Lutando contra esses olhos como se lutasse contra um mar em fúria – que batendo sobre a praia arrasta ao oceano tudo o que encontra sobre a areia –, por vezes o menino via-se obrigado a ancorar sua própria vista em oceanos menos agitados do corpo de sua amada, buscando evitar que os olhos dela, olhos de ressaca, o afogassem para sempre nas águas sem-fim de seu olhar de menina.
Sob o mesmo julgo ocular, como explicar a estranha sensação provocada pelos olhos seguidores de Monalisa (e como fugir deles sem perder-se?)? Como não gozar o sabor da entrega epifânica e carnal de Santa Tereza D’Ávila, quando miramos seus olhos em êxtase no mármore de Bernini? Olhos nos olhos, como cantou Chico, como entender o poder fatal do olhar? Como não refletir sobre sua natureza imantada? Se Narciso acha feio o que não é espelho – como disse Caetano em sua mais famosa canção – seriam os olhos meros veículos contemplativos da beleza que, reconhecida em olhos alheios, inconscientemente julgamos nossa? Ou, reconhecida a paisagem ótica do amor (que não é só ego), testamos um narcisismo às avessas que busca nos olhos do outro a beleza em nossos olhos sublimada? Sim. Talvez secretamente saibamos que é assim como ver o mar a primeira vez que nossos olhos se veem em outro olhar.
Contemplativos ou auto-contemplativos, fato indiscutível é que olhos e olhares podem ser altamente fatais – sendo seu veneno inoculando à velocidade da luz ou num piscar de olhos! Paradoxalmente, podem eles também ser revigorantes tônicos visuais que alimentam de sonhos e de esperanças até mesmo os mais desiludidos e descrentes. Se olharmos bem, veremos que há olhos e olhares de todos os gêneros. Há os que tragam, os que engolem. Há os que repelem, os que derrubam, os que calam. Há os que acalmam, os que tranquilizam (como os do Cristo, os de Buda, os de krishna, por exemplo). Há os que provocam, excitam, perturbam. Pior. Há olhos que misteriosamente contemplam todas essas características em um único olhar - esses os mais letais. Sua essência, entrando pela corrente sanguínea, mata de imediato ou lesiona para sempre o corpo por ele contaminado (alimentando eternamente esse corpo, ao mesmo tempo em que o consome pouco a pouco).
Sobre esses olhos devoradores se viu tocado o narrador de Noites Brancas – curta e sublime novela de Fiódor Dostoieviski. Tendo sido atingido pelos olhos da bela Nastienka, o infeliz narrador-personagem dessa história jamais deles se livrou. Vício interno e corrosivo, água-forte a escorrer em sua memória de cobre azinhavrado, o olhar de Nastienka lhe parecia suficiente para alimentar-lhe o espírito até o fim de seus dias – como nos conta, no antológico e último parágrafo de tal narrativa, o próprio personagem em pessoa: Meu Deus! Um minuto inteiro de felicidade! Será pouco, mesmo que tenha de dar para a vida inteira de um homem?
Um minuto inteiro de felicidade vividos sob a mira de um olhar! Sábio Dostoieviski... Precisa-se de mais?
Na história do romance brasileiro, Bentinho talvez seja até hoje a personagem mais atormentada pela atração exercida pelos olhos de uma mulher. Perdido em seu amor de menino, hesitando entre o medo juvenil e o desejo masculino, ele mal conseguia divisar o olhar marítimo de Capitu – amor cigano de olhos oblíquos e dissimulados. Lutando contra esses olhos como se lutasse contra um mar em fúria – que batendo sobre a praia arrasta ao oceano tudo o que encontra sobre a areia –, por vezes o menino via-se obrigado a ancorar sua própria vista em oceanos menos agitados do corpo de sua amada, buscando evitar que os olhos dela, olhos de ressaca, o afogassem para sempre nas águas sem-fim de seu olhar de menina.
Sob o mesmo julgo ocular, como explicar a estranha sensação provocada pelos olhos seguidores de Monalisa (e como fugir deles sem perder-se?)? Como não gozar o sabor da entrega epifânica e carnal de Santa Tereza D’Ávila, quando miramos seus olhos em êxtase no mármore de Bernini? Olhos nos olhos, como cantou Chico, como entender o poder fatal do olhar? Como não refletir sobre sua natureza imantada? Se Narciso acha feio o que não é espelho – como disse Caetano em sua mais famosa canção – seriam os olhos meros veículos contemplativos da beleza que, reconhecida em olhos alheios, inconscientemente julgamos nossa? Ou, reconhecida a paisagem ótica do amor (que não é só ego), testamos um narcisismo às avessas que busca nos olhos do outro a beleza em nossos olhos sublimada? Sim. Talvez secretamente saibamos que é assim como ver o mar a primeira vez que nossos olhos se veem em outro olhar.
Contemplativos ou auto-contemplativos, fato indiscutível é que olhos e olhares podem ser altamente fatais – sendo seu veneno inoculando à velocidade da luz ou num piscar de olhos! Paradoxalmente, podem eles também ser revigorantes tônicos visuais que alimentam de sonhos e de esperanças até mesmo os mais desiludidos e descrentes. Se olharmos bem, veremos que há olhos e olhares de todos os gêneros. Há os que tragam, os que engolem. Há os que repelem, os que derrubam, os que calam. Há os que acalmam, os que tranquilizam (como os do Cristo, os de Buda, os de krishna, por exemplo). Há os que provocam, excitam, perturbam. Pior. Há olhos que misteriosamente contemplam todas essas características em um único olhar - esses os mais letais. Sua essência, entrando pela corrente sanguínea, mata de imediato ou lesiona para sempre o corpo por ele contaminado (alimentando eternamente esse corpo, ao mesmo tempo em que o consome pouco a pouco).
Sobre esses olhos devoradores se viu tocado o narrador de Noites Brancas – curta e sublime novela de Fiódor Dostoieviski. Tendo sido atingido pelos olhos da bela Nastienka, o infeliz narrador-personagem dessa história jamais deles se livrou. Vício interno e corrosivo, água-forte a escorrer em sua memória de cobre azinhavrado, o olhar de Nastienka lhe parecia suficiente para alimentar-lhe o espírito até o fim de seus dias – como nos conta, no antológico e último parágrafo de tal narrativa, o próprio personagem em pessoa: Meu Deus! Um minuto inteiro de felicidade! Será pouco, mesmo que tenha de dar para a vida inteira de um homem?
Um minuto inteiro de felicidade vividos sob a mira de um olhar! Sábio Dostoieviski... Precisa-se de mais?
Boa tarde pessoal. Se me permitem, Vocês estão sendo seguindos por mim.
ResponderExcluirhttp://borboletasbr.blogspot.com/
Adoro o programa Educativa nas letras e nunca perco, na verdade, os botões do meu rádio colou na 105,9.
Felicidades para todos...Estou ligado...