sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Bocas de Sino

Cíntia Ferreira

Saiu naquela manhã se sentindo um tanto estranha com as roupas que vestia. Sentia-se na verdade uma pessoa presa a uma foto de 1970. Como eram mesmo os nomes daquelas calças? , se perguntou, Ah, Lembrei! Bocas de sino, calças bocas de sino.

Ela tinha visto uma imagem do pai vestindo algo parecido com aquilo. A peça ajustada na cintura ia fazendo uma abertura em forma de sino quando chegava à barra, deixando um grande espaço que mal lhe mostrava os pés. Lembrou-se imediatamente do pai: quantos anos ele teria quando usou aquela roupa? Já havia conhecido sua mãe? Teria ele sonhos maiores, como os seus, para a vida futura? Teria ele realizado estes sonhos ou os enterrado – como seus pés cobertos naqueles enormes pedaços de pano?

Ela não sabia. Não havia como saber. Sempre considerara o homem como um ótimo pai. Bem melhor que muitos de seu tempo. Porém, ele sempre fora um tipo carrancudo e enigmático. Falava muito pouco de si mesmo, preferia concentrar-se na educação dos filhos, dizendo a eles o que fazer (ou não), como e quando fazer. Corrigia-os com voz firme e, quando as coisas apertavam, abrandava o som para perguntar se precisavam de algo. Era mesmo aquele tipo famoso que não deixa faltar nada, como dizia sua avó. Mas faltava algo muito importante e ela sabia. Faltava saber quem de fato se escondia por trás da postura ereta. O que havia de sentidos e sensações em torno daquele coração que ela nunca vira, atado por trás do bigode aparado e da barba sempre bem feita.

A menina se sentiu agoniada por um momento enquanto se dava conta de que não sabia sequer se aquele homem que a criara e cuidara dela durante tantos anos era feliz. Ou, se assim como ela, sentia o peito apertado às vezes – como se fosse sufocar – e então olhava para o céu e indagava sobre o sentido de tudo que vinham vivendo, aquela coisa toda que sua família vinha enfrentando. Ela preferiu não pensar nisso, não agora. Questionou-se se, assim como ela, o pai não via mais beleza nas cores pintadas pelas crianças da casa vizinha na calçada. E se, também assim como ela, ele se questionava e perguntava a si mesmo: até quando?

(Cintia Ferreira é aluna do quarto ano do curso de jornalismo do ISCA Faculdades, de Limeira.
Quer ler outros texto dela? Acesse o blog da autora: http://www.cruapalavra.blogspot.com).

4 comentários:

  1. Lindo texto Cintia!!! Guarda um tanto de tristeza e lamentação nas entrelinhas, não dá pra saber como esses sentimentos estão dentro de você, mas para quem lê a emoção vai fundo.
    Parabéns! Bj.

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  2. Obrigada Victor e a todos que estão lendo. Obrigada Alexandre pelo apoio.
    Gde abraço a todos que passarem por aqui.

    Cintia

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  3. Muito bom!
    Talentosa essa garota, é notório a qualidade acima da média.
    Parabéns!

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  4. Oi, Cíntia!
    Nós, do Educativa, é que temos de agradecer!
    Afinal, nem teria graça! Você escreve esse texto lindo e ainda agradece?
    Saiba que seu texto está quebrando os recordes de acesso aqui! Está bom para você?

    Grande beijo!

    Alexandre.

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